Não me esqueci da Primavera e deveria ter-te falado disto em
Abril.
Dispersa-se e perdendo-se na conversa, a avó vai explicando
que veste três polares quechua mais uma camisola interior, uns collants e as
calças compridas. Por cima das pernas, aconchega ainda uma manta, e assim vai
passando os dias enfaixada de roupa para continuar fria. Um dia, ainda morre de
sangue parado. Tem saudade da Primavera bem vincada e definida. Amena. Sem
granizo e sem vento gélido. Perguntou à neta se alguma vez teve a oportunidade
de cheirar um cravo verdadeiro. Daqueles que crescem a céu aberto, os que deixam
passear as lesmas que o vão mordiscando devagar e recortando ainda mais as suas
pontas rendilhadas. Não gosta dos cravos de estufa. Fazem-lhe lembrar tudo o
que é falso. Se pelo menos tivesse um quintalzinho e uma sachola, podia tirar a
manta das pernas. Mexer-se. Plantar uns cravos na terra, e fazer circular o
sangue com mais naturalidade. E volta-lhe a saudade do perfume desses
verdadeiros cravos que giram à voltam do sol e que resistem às bátegas dos
aguaceiros surpreendentemente perversos. Costumava espetar-lhes uma estaca, uma
espécie de muleta de pau para que se mantivessem de caule direito. Contudo, insistiam
sempre em crescer tortos e livres.
Imagem: tela/Galeria de pintura José Malhoa
16 comentários:
Um texto muito intenso por vários motivos. Primeiro porque consegues dizer sempre muito com poucas palavras; segundo porque me fez lembrar a última fase da minha avó, uma mulher do campo, e que sempre que via cavalos na televisão, diria sempre; " Ai que saudades que eu tenho das minhas éguas... de quando andava lá pelos campos em cima delas...."
Gostei muito do texto.
tem razão a avó,
os cravos não cheiram a nada e as rosas também não
tomara poder dar-lhe um pedaço de terra, aí a primavera seria sempre igual
muito bonito, Mz
Um texto muito belo com uma linha descritiva fora do normal, mas muito lógica.
Impossível não florir num terreno como este, tão bem amanhado...
:)
Lindo!
Laura, deve ser muito frustante querer e já não ter mobilidade sufuciente para se fazer o que antigamente se fazia com destreza.
É assim a partir de uma certa idade, mas também se deve reviver e trazer as memórias. Partilhar a nostalgia e a vida no passado.
Obrigada.
Manuela, para a próxima escrevo esta avó com um pedaço de terra.
Digo-lhe que foi uma oferta tua.
Obrigada, Manuela.
João, eu escrevo o que me ocorre e vocês é que podem avaliar.
Rui, na minha aldeia arranja-se a terra e amanha-se o peixe. Conheço a expressão e esteve muito bem com o elogio.
Obrigada :)
Que sorte eu tenho, pois posso cultivar desses cravos verdadeiros...e que aroma eles têm!
Bjs
Só um comentário: LINDO...
Lilas,
que sorte temos!
Bjs
Daniel Lobinho,
para onde nosleva a primavera, verdade?
Obrigada.
Onde é que tu a viste? Acho que este ano passamos directamente do Inverno para o Verão! Beijoca!
Anda dispersa como a avo e fria, gelada!
bjcas
MZ o natural, os sons e os cheiros saltam do teu blog para as nossas vidas. Nunca mais esquecerei do som do mar. Até as plantas no campo têm direito a viver uma vida com tempo e isso permite-lhes brindar-nos com cheiros profundos e belezas inigualáveis. Beijinhos
Cada blogue tem o seu carisma, tambem tu tinhas um som especial Brown Eyes :)
Bjs
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