Que vício este de nos sentarmos nas escadas quando há sol.
Colocamos chapéus na cabeça, e conversamos. Falamos dos pássaros e dos ramos
nus da alfazema nos grandes vasos da entrada. Recordamo-nos. Sempre dissemos que
foi a alfazema que nos uniu, esse aroma fugaz sempre que passavas à minha
porta. A atração pelo cheiro num misto inocente e imaginativo de odor de mulher
e de natureza. Depois, realizado o desejo, a intimidade das arcas do enxoval de
noiva, e ainda agora, nas gavetas e nos livros do pequeno canto que chamamos de
biblioteca. Sorrimo-nos. Olhamo-nos. Olhos nos olhos e a lembrança dos beijos e
do sexo fugido em lençóis brancos envoltos dos nossos odores amassados,
espremidos à mistura com a essência suave desses molhinhos azuis de espigas fragantes.
O corpo a envelhecer e o mesmo cheiro de sempre. Que vício este de nos sentarmos
nas escadas quando há sol.
mz
imagem: fotografia do blogue, Diário de Lisboa
The Lisbon Diary, "muito muito", Lx Factory