sábado, 11 de maio de 2013

Primavera.


 
Não me esqueci da Primavera e deveria ter-te falado disto em Abril.
Dispersa-se e perdendo-se na conversa, a avó vai explicando que veste três polares quechua mais uma camisola interior, uns collants e as calças compridas.  Por cima das pernas, aconchega ainda uma manta, e assim vai passando os dias enfaixada de roupa para continuar fria. Um dia, ainda morre de sangue parado. Tem saudade da Primavera bem vincada e definida. Amena. Sem granizo e sem vento gélido. Perguntou à neta se alguma vez teve a oportunidade de cheirar um cravo verdadeiro. Daqueles que crescem a céu aberto, os que deixam passear as lesmas que o vão mordiscando devagar e recortando ainda mais as suas pontas rendilhadas. Não gosta dos cravos de estufa. Fazem-lhe lembrar tudo o que é falso. Se pelo menos tivesse um quintalzinho e uma sachola, podia tirar a manta das pernas. Mexer-se. Plantar uns cravos na terra, e fazer circular o sangue com mais naturalidade. E volta-lhe a saudade do perfume desses verdadeiros cravos que giram à voltam do sol e que resistem às bátegas dos aguaceiros surpreendentemente perversos. Costumava espetar-lhes uma estaca, uma espécie de muleta de pau para que se mantivessem de caule direito. Contudo, insistiam sempre em crescer tortos e livres.
 
 
Mz

Original escrito para
Desafio: Fabrica de Letras
Tema: Primavera


Imagem: tela/Galeria de pintura José Malhoa

16 comentários:

  1. Um texto muito intenso por vários motivos. Primeiro porque consegues dizer sempre muito com poucas palavras; segundo porque me fez lembrar a última fase da minha avó, uma mulher do campo, e que sempre que via cavalos na televisão, diria sempre; " Ai que saudades que eu tenho das minhas éguas... de quando andava lá pelos campos em cima delas...."
    Gostei muito do texto.

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  2. tem razão a avó,

    os cravos não cheiram a nada e as rosas também não

    tomara poder dar-lhe um pedaço de terra, aí a primavera seria sempre igual


    muito bonito, Mz

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  3. Um texto muito belo com uma linha descritiva fora do normal, mas muito lógica.

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  4. Impossível não florir num terreno como este, tão bem amanhado...
    :)

    Lindo!

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  5. Laura, deve ser muito frustante querer e já não ter mobilidade sufuciente para se fazer o que antigamente se fazia com destreza.

    É assim a partir de uma certa idade, mas também se deve reviver e trazer as memórias. Partilhar a nostalgia e a vida no passado.

    Obrigada.

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  6. Manuela, para a próxima escrevo esta avó com um pedaço de terra.

    Digo-lhe que foi uma oferta tua.

    Obrigada, Manuela.

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  7. João, eu escrevo o que me ocorre e vocês é que podem avaliar.

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  8. Rui, na minha aldeia arranja-se a terra e amanha-se o peixe. Conheço a expressão e esteve muito bem com o elogio.

    Obrigada :)

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  9. Que sorte eu tenho, pois posso cultivar desses cravos verdadeiros...e que aroma eles têm!
    Bjs

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  10. Lilas,
    que sorte temos!

    Bjs

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  11. Daniel Lobinho,
    para onde nosleva a primavera, verdade?

    Obrigada.

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  12. Onde é que tu a viste? Acho que este ano passamos directamente do Inverno para o Verão! Beijoca!

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  13. Anda dispersa como a avo e fria, gelada!

    bjcas

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  14. MZ o natural, os sons e os cheiros saltam do teu blog para as nossas vidas. Nunca mais esquecerei do som do mar. Até as plantas no campo têm direito a viver uma vida com tempo e isso permite-lhes brindar-nos com cheiros profundos e belezas inigualáveis. Beijinhos

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  15. Cada blogue tem o seu carisma, tambem tu tinhas um som especial Brown Eyes :)

    Bjs

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Saber que alguém me lê, é bom.
Retribuirei a vossa visita com muito gosto.Obrigada