segunda-feira, 26 de março de 2012

No Mercado...


Porque me fazem falta determinados cheiros, gosto dos mercados ao sábado de manhã. Gosto daquele ir e vir de gente mais madura como as frutas que ali se vendem. Gosto das mulheres que vendem as flores, das que amanham o peixe, das que se desembaraçam com as hortaliças. Gosto do buliço do lado de dentro das bancas. Os homens são toscos e lentos. Ou andam a carregar batatas, ou a fazer os trocos. São a força mais bruta a contrastar com o com chamar das vendedeiras que tem algo de mimoso, como terra fértil.
-A menina, isto...
- A querida, aquilo...
A mãe da minha amiga Mariana tem outra visão. Divorciada há muitos anos, e já de idade avançada, gosta de passear a cesta de palhinha trabalhada debaixo do braço. Assim como quem anda a fazer turismo naquelas hortas expostas ao fim de semana. Diz que o mercado, é um lugar óptimo para se ver rapazes giros com tanto divórcio que há agora. Olho para a minha amiga e a minha amiga olha para mim... e pensamos as duas:
 
- O que mais escondem as mães?




Imagem: Tela de Fernando Botero
Pintor e escultor Colombiano



Original, escrito e publicado...
Mz

quarta-feira, 21 de março de 2012

A Coisa...


Hoje vou descrever uma coisa.
Uma espécie ruim e pica miolos com pouco tutano. Um apêndice minúsculo de inteligência e de esperteza farta. Uma besta que se move em pequenos saltinhos como se quisesse chegar às coisas mais altas. Nariz farejador e sempre alerta. Um sopro de estiagem desértica, por onde passa, seca. Um sugador de estabilidade. Estratega de mau estar. Cego e obcecado. É o monstro dos três olhos. Uma massa que veste a pele humana. Nem toda a gente sente ou vê o que o seu pequeno corpo guarda. Três olhos estranhos, em sítios vulgares. Quem sentiu o sopro, descreve-os bem.
O primeiro olho, no cimo da sua cabeça. É o olho que vê sempre para cima. Da sua íris, sai-lhe uma espécie de língua viscosa adaptada aos chefes que tem de lamber. O olho Lambe-botas.
O outro, o segundo, centrado no umbigo. Tem a função de autoproclamar o monstro como o maior e infinitamente melhor que todos os outros. O olho Egocêntrico.
O terceiro é o olho sesso. Uma espécie de abertura reguladora da sua desorientação espacial. Quanto mais desorientado, mais espalha. É o olho excremento.
Uma espécie dentro da própria espécie humana. Uma espécie que tresanda, sempre em evolução. Cuidado. Tem crias.


 Imagem:  Galeria Picasso


Original escrito e publicado…
Mz

quinta-feira, 15 de março de 2012

Senhora Dona...


Senhora Dona é algo muito forte para tratar a gente da terra. São tias quase todas as mulheres com quem me dou por lá. Mesmo as mais curvadas e enrugadas sentiriam ofensa de se lhes chamasse de Senhoras Donas. Este título afasta a intimidade e quebra laços de raiz popular. Ao usá-lo para com elas, tornar-me-ia numa pessoa pedante e, eu própria, Senhora Dona de nariz empinado que já não reconhece um ancinho. Sentiríamos pedras frias em vez de afecto.
Existe uma tia com um corpo de tartaruga. Pescoço esguio, tronco arredondado, pernitas curtas e finas, mãos enrugadas com tamanho de criança. Guarda-me ovos e é uma tia proclamada. Para além de me ter visto crescer, para além do respeito e do carinho, temos os ovos que nos unem em pensamento. Ovos.
Tenho a certeza que, a maioria das vezes que pisa o galinheiro, lembra-se de mim. Existe uma espécie de obsessão em evitar que eu coma ovos de compra depois de lhe ter contado as condições em que vivem as pobres galinhas poedeiras que pôem ovos para as prateleiras. Imagina-as sem poderem esticar as  asas e as patas, numa gaiola minúscula. Imagina-as a porem ovos em condições pouco naturais. Não me quer envolvida nessa atrocidade animal. Mas, quando precisa, sem qualquer problema, lá torce o pescoço a uma das suas. Então, sempre que um passarinho lhe diz que vou à aldeia começa a juntar ovos e mais ovos com destino a Lisboa. Da minha parte, é inevitável, sempre que faço a mala rumo ao Norte, também eu, entre outras coisas, já estou a pensar na tia proclamada com corpo de tartaruga e nos ovos das suas galinhas. Afastam-nos os dias e a distância, mas sei que estou na sua lista juntamente com as aves, as penas, o milho e o cacarejar. Em suma, faço parte dos seus afazeres domésticos e por consequência tenho muito carinho a envolver a cesta de ovos de uma Senhora Dona que exige que a chame de tia. As galinhas nem me sonham!



Fotografia: Diário de Lisboa blogue
LAdo B-B side aqui



Original escrito e publicado...
Mz

quinta-feira, 8 de março de 2012

Arroz Doce...


Quando estou carente de mãe, faço um tacho de arroz doce. O processo é simples e alivia a distância. Sempre que nos lembramos de nós, a voz ao telefone não chega, nem as palavras amigas que ela me diz ao ouvido. Faltam-me os cheiros da cozinha, os movimentos de tradição e aprendizagem entre nós as duas. Então, por vezes, dá-me a vontade de um arroz doce capaz de nos aproximar assim de uma forma saborosa. Não é gula, mas mimo que existe neste fazer secreto. Eu e a lembrança das mãos que pesam a doçura e o aroma. Tudo sem peso e medida, apenas o que baste ou ainda mais um pouco, como os afectos devem de ser. Um encosto maternal num simples prato, é um embalo de colo com aroma a canela e limão que só eu sei como aconchega. Tudo o que está longe fica muito mais perto. E, a seguir à minha mãe e ao arroz doce, aparecem-me todas as minhas tias e todos os meus primos ainda pequenos a entrarem e a saírem da cozinha. Brincadeiras, choros e berros. Lembranças... Boas lembranças que tenho das minhas tias, cada uma com as suas habilidades, todas elas mulheres de cozinha e tradição.
E pronto...
Mãe, eu tenho a tua mão e o teu cheiro neste prato de arroz doce. Estás comigo, vamos comer.






Fotografia: Diário de Lisboa
The Lisbon Diary blogue,  aqui 


Original escrito e publicado...
Mz

sábado, 3 de março de 2012

Um Olhar...



Existe um homem que guarda um jarro no jardim. Uma espécie solitária com a mesma missão em cada Primavera. Devolve-lhe a meiguice do passado e ternuras de infância em laços eternos de quem a plantou num chão de terra já antiga. Soa a mimo e a poesia, este homem que guarda o seu jarro no jardim. Homem e raízes numa cidade, onde, ainda cabem pedaços de terra sachada e vasos floridos.
No mesmo homem, o outro, o que sabe plantar imagens. Fotógrafo. O olhar que pisa o asfalto da cidade. Lisboa.

O homem que plantou com a sua máquina, uma flor no masculino. Um clássico singelo a transbordar de sensualidade num delicado enrolado, abrigando o tímido caule erecto.
Sinto-me uma ladra de flores e de terra com dono. Enredos imaginários, por mim, aqui. Um olho de mulher sem laços a este jarro arrancado de raíz à fotografia, num apontamento a propósito e feito à pressa.






Fotografia do Blogue:Lado-B-B Side Aqui
Diário de Lisboa

 
Para Fábrica de Letras
Tema: Fotografia
 
 
Original escrito e publicado...
Mz