Senhora Dona é algo muito forte para tratar a gente da terra. São tias quase todas as mulheres com quem me dou por lá. Mesmo as mais curvadas e enrugadas sentiriam ofensa de se lhes chamasse de Senhoras Donas. Este título afasta a intimidade e quebra laços de raiz popular. Ao usá-lo para com elas, tornar-me-ia numa pessoa pedante e, eu própria, Senhora Dona de nariz empinado que já não reconhece um ancinho. Sentiríamos pedras frias em vez de afecto.
Existe uma tia com um corpo de tartaruga. Pescoço esguio, tronco arredondado, pernitas curtas e finas, mãos enrugadas com tamanho de criança. Guarda-me ovos e é uma tia proclamada. Para além de me ter visto crescer, para além do respeito e do carinho, temos os ovos que nos unem em pensamento. Ovos.
Tenho a certeza que, a maioria das vezes que pisa o galinheiro, lembra-se de mim. Existe uma espécie de obsessão em evitar que eu coma ovos de compra depois de lhe ter contado as condições em que vivem as pobres galinhas poedeiras que pôem ovos para as prateleiras. Imagina-as sem poderem esticar as asas e as patas, numa gaiola minúscula. Imagina-as a porem ovos em condições pouco naturais. Não me quer envolvida nessa atrocidade animal. Mas, quando precisa, sem qualquer problema, lá torce o pescoço a uma das suas. Então, sempre que um passarinho lhe diz que vou à aldeia começa a juntar ovos e mais ovos com destino a Lisboa. Da minha parte, é inevitável, sempre que faço a mala rumo ao Norte, também eu, entre outras coisas, já estou a pensar na tia proclamada com corpo de tartaruga e nos ovos das suas galinhas. Afastam-nos os dias e a distância, mas sei que estou na sua lista juntamente com as aves, as penas, o milho e o cacarejar. Em suma, faço parte dos seus afazeres domésticos e por consequência tenho muito carinho a envolver a cesta de ovos de uma Senhora Dona que exige que a chame de tia. As galinhas nem me sonham!
Fotografia: Diário de Lisboa blogue
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Original escrito e publicado...
Mz