Sempre os vi ali...
A aldeia é a guardiã.
Os rostos vão sendo substituídos mas o estatuto é sempre o mesmo,
“Velhos”
A aldeia é a guardiã.
Os rostos vão sendo substituídos mas o estatuto é sempre o mesmo,
“Velhos”
Se o tempo lhes permite, permanecem sentados em bancos de ripas verdes sempre de costas voltadas para as paredes brancas da capela.
Contentes... de costas voltada para o Stº António!
O Santo já se habituou há muitos anos...
Imortalizado em calcário coimbrão do séc. XV, bastante tosco, tem idade suficiente para que isso não o incomode.
São tantos os dias de clausura que rejubila uma vez por ano quando chega a procissão da festa com o seu nome e o levam a arejar empoleirado num andor enfeitado de flores.
Talvez preferisse ficar sossegado na sua clausura. Antes de ser santo também foi homem... não conheceu a velhice, morreu cedo e por isso eu gosto de pensar que ele se sente mimado nesse dia.
Perdoa todos esses homens e mulheres que em tempos suplicaram um casamento a troco de rezas e oferendas. Ele não se recorda de pedir o que quer que fosse! Mas eles lá se iam casando. Das oferendas não lhe via o rasto...
Sempre foi assim...
Depois, sempre que envelhecem, viram-lhe as costas ainda que inocentemente. Mas ele gosta de ter ali aqueles rostos sulcados, aqueles corpos já curvados, coleccionando artroses, ciáticas e outras maleitas dolorosas que a idade lhes foi oferecendo.
Não leva a mal por isso. Por seu lado, esses homens e mulheres aceitam a velhice.
Resignados, gostam de dizer que as manchas castanhas que hoje cobrem a sua pele são as flores da idade e riem...
Riem mostrando as bocas engelhadas com dentaduras reluzentes ou mostrando somente os poucos dentes que ainda conservam.
Contentes... de costas voltada para o Stº António!
O Santo já se habituou há muitos anos...
Imortalizado em calcário coimbrão do séc. XV, bastante tosco, tem idade suficiente para que isso não o incomode.
São tantos os dias de clausura que rejubila uma vez por ano quando chega a procissão da festa com o seu nome e o levam a arejar empoleirado num andor enfeitado de flores.
Talvez preferisse ficar sossegado na sua clausura. Antes de ser santo também foi homem... não conheceu a velhice, morreu cedo e por isso eu gosto de pensar que ele se sente mimado nesse dia.
Perdoa todos esses homens e mulheres que em tempos suplicaram um casamento a troco de rezas e oferendas. Ele não se recorda de pedir o que quer que fosse! Mas eles lá se iam casando. Das oferendas não lhe via o rasto...
Sempre foi assim...
Depois, sempre que envelhecem, viram-lhe as costas ainda que inocentemente. Mas ele gosta de ter ali aqueles rostos sulcados, aqueles corpos já curvados, coleccionando artroses, ciáticas e outras maleitas dolorosas que a idade lhes foi oferecendo.
Não leva a mal por isso. Por seu lado, esses homens e mulheres aceitam a velhice.
Resignados, gostam de dizer que as manchas castanhas que hoje cobrem a sua pele são as flores da idade e riem...
Riem mostrando as bocas engelhadas com dentaduras reluzentes ou mostrando somente os poucos dentes que ainda conservam.
É ali, no largo da aldeia com o mesmo nome do Santo que gostam de ficar atentos a tudo.
Gostam do movimento das pessoas. Assistem parados ao vai e vem da pastelaria, do café, da tasca, do talho, do supermercado, da farmácia, dos correios, da padaria...
Ah a padaria... tão antiga como eles!
Devolve-lhes todos os dias o mesmo cheiro a pão quente de outrora... cheiro enriquecido ao fim de semana com açúcar e canela. Mantendo a tradição, aquele pão continua a ser feito da mesma forma que o era quando ainda eram todos jovens.
Aceitam a velhice com alguma nostalgia também. É humano que assim seja!
Aceitam a velhice entretendo o olhar, escutando as novidades, comentando as desgraças do Mundo, cumprimentando quem passa. Presenteados com dois dedos de conversa, também partilham histórias de antigamente.
Entre o passado e o presente, são sempre os primeiros a saber quem está doente, quem morre e quem nasce.
É ali que gostam de estar, ali onde há movimento
até que o tempo os deixe ficar...
Gostam do movimento das pessoas. Assistem parados ao vai e vem da pastelaria, do café, da tasca, do talho, do supermercado, da farmácia, dos correios, da padaria...
Ah a padaria... tão antiga como eles!
Devolve-lhes todos os dias o mesmo cheiro a pão quente de outrora... cheiro enriquecido ao fim de semana com açúcar e canela. Mantendo a tradição, aquele pão continua a ser feito da mesma forma que o era quando ainda eram todos jovens.
Aceitam a velhice com alguma nostalgia também. É humano que assim seja!
Aceitam a velhice entretendo o olhar, escutando as novidades, comentando as desgraças do Mundo, cumprimentando quem passa. Presenteados com dois dedos de conversa, também partilham histórias de antigamente.
Entre o passado e o presente, são sempre os primeiros a saber quem está doente, quem morre e quem nasce.
É ali que gostam de estar, ali onde há movimento
até que o tempo os deixe ficar...
(Fotografia: Jfifas)
Minha participação para a FÁBRICA DE LETRAS com o tema “VELHICE”
Com carinho
MZ
MZ
26 comentários:
Adorei a ligação que fizeste da velhice com o santo António e as costas voltadas para ele. Seja em que vila for, ou cidade, todos os velhos acabam por passar o tempo nos bancos de jardim. Parece que se limitam a esperar sentados que a morte chegue ou será que observar o vaivém da vila os mantém vivos? Beijinhos
Muito bom. Acho que é dos que mais gostei de aqui ler... por enquanto :)
Brown Eyes,
eu acho que neste caso é o que os faz sentir que estão inseridos na comunidade.E a comunidade também gosta de os ver ali e quando um se vai, fica sempre vazio.
Beijinhos
johnny,
também gosto mais do que escrevo quando me inspiro na realidade.
Obg
Bjo
bonito, muito bonito
e verdadeiro
Claro que "tiraste uma foto" muito nítida de um local que deves conhecer bem e que espelha perfeitamente o envelhecimento natural das gentes, o que é sempre muito belo, já que envelhecer não quer dizer obrigatoriamente sofrer.
Gostei do texto, é isso que sentimos quando observamos os largos de algumas aldeias mas, no fundo eles são felizes por o frequentar, na cidade não teriam esse prazer.
Um beijo
Eu também adorei a imagem dos velhotes sentados a ver a "vida" da sua terra!
Acho que a velhice nas aldeias é muito menos triste do que nas cidades, pelo menos é o que eu sinto...
bjs
J.P.VAlente,
é a realidade vivida de algumas pessoas no final das suas vidas...
obg
pinguim,
tem razão... conheço bem... e tenho a certeza que eles são felizes ali.
um beijo
Lilá(s)
foi o que eu disse ao Pinguim, neste lugar que eu conheço muito bem, é assim como eu descrevo e eles sentem-se bem... acarinhados, respeitados e principalmente o mais importante de tudo é que se sentem identificados com o que os rodeia.
beijo
Papoila,
deve ser menos triste, sim... não só pelo que eu descrevo no texto como também pelo facto de poderem ter a liberdade de estarem ali sossegados sem o sobressalto de serem assaltados a todo o momento. Quer queiramos quer não as cidades têm esses perigos... vamos acreditar que as aldeias ainda lhe dão a garantia de se sentirem seguros sentados num banco qualquer...
beijinho
Gostei da tua abordagem sobre a velhice.
O segredo do movimento é o infinito da velhice, é a questão que eu retrato no mar, sempre em movimento, muito velho mas sem parar porque parar é igualmente envelhecer, mas acima de tudo morrer!
Jinhos***
Melga,
tens razão... se te manténs activo que importa a idade, não é?
Bjinho
Bonita história esta que nos deixas. Desperta em mim uma ambiguidade de sentimentos. Se por um lado a imagem que nos deixas é bonita, como se de uma fotografia de vida se tratasse, por outro traz-me à memória Solidão, como aquela música "O velho" da Mafalda Veiga. Dá que pensar, não achas? Bjs
Gostei muito... As ligações dos factos estão excelentes*
=)
Sara,
escutei a canção da Mafalda Veiga "O Velho" o poema fala-nos de solidão...
Os "Velhos" de que falo, felizmente não sentem solidão, estão acompanhados e partilham alegrias e tristezas neste "Largo"
Um beijinho e obrigada por me leres.
Por entre o Luar,
fui ler a tua " Recordação" e gostei do realismo da tua história.
Muito obrigada por me leres e deixares o teu comentário.
Lindo! adorei! Infelizmente é o k acontece com velhinhos! Aqui costumam ir para os largos das freguesias e ficam Horas e Horas afio a ver as pessoas a passar que lhes dão movimento a vida!
Azoresub-Bluewater,
eu sei como é aí...
e conheço bem as freguesias e os largos porque já vivi aí...
fico contente por teres gostado.
bjo
Meu Deus! Desculpem a emoção, mas estes são os 'meus' velhos. Os velhos que já eram velhos quando eu ainda era menina, sentados no banco da praça em frente à fonte, a controlar quem passa. Que viagem! Que nostalgia! Parabéns por me fazeres reviver tanta coisa, neste singelo e belo texto.
Beijinho :)
Olá Helga,
pois é... são os "nossos" velhos... mas os "meus" velhos são felizes assim...
beijinho
Já tinha lido este texto por diversas vezes e achei que não lhe faltava mais nada,estava tudo dito. Mas quando vejo e sinto a solidão que por aí vai apetece-me dizer quem me dera ter uma velhice assim ,calma , minimamente segura e penso que apesar de tudo feliz(pena que o estado e muitas vezes as familias não dêm um pouco mais apoio as pessoas de idade). Estão com os seus amigos, num espaço que é seu e que conhecem, apesar da velhice e dos dias que passam rápidamente não estão sós.
Mais um texto lindíssimo MZ, como diz o Pinguim, uma belíssima fotografia, feita de palavras.
Diário de Lisboa,
é sempre bom saber que conseguimos transmitir para os outros um "retrato" do que os nossos olhos veêm e sentem... os meus olhos são a minha objectiva e as minhas palavras o momento captado... com afectos e emoções.
Continuo a adorar ver Lisboa através da sua câmara fotográfica e da sua sensibilidade também.
muito obrigada por me ler...
MZ, esse é o retrato que tenho da aldeia dos meus pais. Não há nada mais luso do que idosos em bancos de adro da igreja, a ver a vida dos outros passar...
Catstone,
é assim em cada aldeia do nosso Portugal...
é como se de um porlongamento das suas casas se tratasse e aqueles que aiinda vivem sós, sentem-se mais acompanhados nestes espaços onde quase tudo acontece. A aldeia conhece-os e eles conhecem a aldeia, sentem-se em casa.
Obg pelo comentário
Enviar um comentário