segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

O Super-herói do meu vizinho




Num dos cantos daquele ondular lusitano que inventei para dar um ar poético ao que não passa de um telhado vulgar, cruzamos olhares indiferentes para depois, matematicamente incidirem no objeto que jaz numa dormência inerte. Anos e anos ali. É um boneco inanimado. Matéria morta. Nu e resistente a todas as intempéries. Um super-herói esquecido vai para cima de uma década sem que o dono se inquiete com isso -  o meu vizinho. Valida a deslembrança de todos os momentos de brincadeiras felizes que passaram juntos. Incomoda-me o desprezo dado ao boneco, e todos os anos penso que haverá um dia no ano em que ele o irá recuperar.
Quantas emoções nos atravessam o olhar e a mente? Por contágio nem todas nos chegam ao coração. As que nos tocam, até podem ser como esta - um exemplo inanimado. Um pedaço de plástico para nos fazer lembrar que pelo mundo haverá sempre um punhado de homens e mulheres desapaixonados, onde todos os sentimentos, amizades e relações não passam apenas de momentos minguados cujo propósito se molda na proporção de interesses transitórios. 


mz


Imagem: tela de Maluda, Lisboa 1983
Pintora Portuguesa aqui e aqui

12 comentários:

João Roque disse...

Uiiiiiiii...isto hoje pia fino, sim senhor...

manuela baptista disse...

o boneco é um resistente, merecia ser levado outra vez para casa

ou sentiria saudades do céu azul e do sol e da noite

no entanto, haverá sempre um punhado de outra gente que entende a linguagem perdida de um boneco só e abandonado

gostei, Mz

Rui Pascoal disse...

Sou demasiado apegado... a pequenas coisas também. Este domingo, fui incapaz de deitar fora uma velha bola de basket. Chegado ao contentor do lixo fiz um lançamento de longa distância, três pontos no mínimo, atirei-a com toda a força para dentro de um parque infantil e... saí de lá "vitorioso".
:)

Carolina Louback disse...

Interessante. Me fez lembrar a animação Toy Story da Disney. Penso que os brinquedos da infância caem no esquecimento, em uma espécie de limbo, para depois serem relembrados em outra etapa da vida.

Beijos queridos,
Carolina

mz disse...

João, piu...

;)

mz disse...

Manuela, entre o céu azul, o sol e a noite ou uma caixa escura...

A libertação no topo de um telhado!

Ainda entretem os olhares e o pensamento.

Abç

mz disse...

CArolina, o boneco está ali exposto ao pensamento de quem se interessar por um pedaço de emoções antigas. Poderia ser uma personagem de animação, sim!

Beijos :)

mz disse...

Rui, então ainda não perdeu o jeito!

Guardo no sotão uma mala de recordações de infância e adolescencia e não sou eu que as vou deitar ao lixo.

Também sou apegada.

:)



Lilá(s) disse...

Olha o meu vizinho todos os anos pelo Natal coloca na varanda um pai natal de plástico, gordo, gigante, feio, até assusta ainda por cima é iluminado! é um alivio quando as festividades terminam...
Sempre é preferível o boneco do teu deixado ao abandono...
Bjs

Laura Santos disse...

Para muita gente o mundo é apenas um carrossel feito de plástico que gira, e gira muito conforme os ventos, ou seja, as conveniências.
Ainda hoje guardo um peluche verde, chamado de "Verdelhão", por falta de inspiração para melhor nome, que a minha filha levava para fazer-lhe companhia no infantário. Era por certo um dos seus bonecos de aspecto mais insignificante, mas quando para ele olho parece que transpira vida.
xx

mz disse...

Lilás, esse Pai Natal tem quem o ame incondicionalmente ;)

Acho que mesmo sem iliminação o mais provável é continuar a fazer parte das festividades.

Bjs

mz disse...

Laura, de facto existem objectos com uma espécie de "alma" acompanhando-nos ao longo de uma vida, carregando uma grande cumplicidade e afectividade. Por incrível que pareça, são matéria morta, mas capazes de transmitirem sentimentos incondicionais.


xx