terça-feira, 24 de setembro de 2013

Outono


 O vento toca o espanta espíritos e unidos agitam os pêndulos metálicos em harmonia. Uma lufada que provoca um som inconfundível lembrando sempre que o vento passou ali. As flores da semana são as flores do jardim da mãe. Uma orquídea, uma protea, uma hortência e duas dálias, o resto são folhas verdes. As flores à gabela estão a acabar, o sol excessivo envelhece-as rapidamente e daqui a nada já só restam caules e folhas secas. Já é Outono e nem parece. Setembro não está apenas quente, Setembro está abusivamente quente e faz rebentar os figos de mel, ao mesmo tempo que seca a casca verde das nozes. Espera-se que o vento chegue mais forte e as atire ao chão, depois debulham-se e guardam-se para se comer durante o ano. No céu, uns farrapos de nuvens já a fugir para o cinzento e à noite um agasalho. Dizem que vem lá chuva e nós aguardamo-la sem pressas.


mz







Imagem: fotografia do blogue  Diário de Lisboa
Jardim da Rocha do Conde de Óbidos, 2 nov.12

segunda-feira, 16 de setembro de 2013

A Sepultar


Os muros altos servem de sombra aos que se apresentam na despedida. Faz-se sala ao ar livre porque Setembro está quente e contam-se histórias de uma vida comprida. Abraçam-se amigos que não se vêem há muito, e entre uma lágrima contida, uma outra fugidia,  até um sorriso. Tudo se torna solidariedade mansa. Pode-se arriscar dizer-se que até é bonito morrer aos noventa. Porém, a morte nunca é bonita. Há sim mais compreensão na partida, mais serenidade na perda de uma vida velha. Chora-se depois a saudade nas lembranças do dia-a-dia.



mz



imagem: tela de Amedeo Bocchi - pintor italiano
Bianca con geranio rosso, 1928  aqui
 


terça-feira, 10 de setembro de 2013

Almoço no Shopping




O miúdo estava à nossa frente. Pálido. Cabelo revolto, fato barato, gravata desapertada e sapatos de pala com berloque. Um almoço solitário e lento remexendo entediado a refeição saída em série de um franchising. Tirando a palidez e o desinteresse pela comida, o manequim é o protótipo do jovem no primeiro emprego depois de uma licenciatura. Deveria estar feliz porque tem trabalho, deveria ter cor naquele rosto pelo entusiasmo dos desafios. Um quadro de aparente exaustão daquele lote dos espremidos até ao tutano. Talvez isso lhe arrase parte dos sonhos, contudo insistimos - deveria comer. Deveria comer com alguma alegria porque existe fome neste país. 


mz




Imagem: Tela de almada Negreiros - auto retrato 
como o grupo da Brasileira, 1925 - pesquisa google

terça-feira, 3 de setembro de 2013

Tapete de Flores





Poisam meus pés devagarinho, em tapete de flores aos molhos.
Chão que se torna caminho. 
Minha clareira de alcatrão
Minha estrada colorida
Meu chão de açafrão.

Tingindo meus olhos de júbilo contido,
Caminhando esmago o tempero dos sentidos.


mz


Tapete de Flores
 (versão mais trabalhada)



Minha saia levanta, arredando folhos
Para ver poisar, meus pés devagarinho
Sublime tapete de flores aos molhos
 Chão que se torna caminho.

Minha clareira de alcatrão
 Minha calçada preferida
Meu chão de açafrão
Minha estrada colorida

Tingindo meus olhos de júbilo contido,
Caminhando esmago o tempero dos sentidos
Foge-me um ai, um pequeno suspiro
Arrastando pétalas como se fossem rios


mz
(16-09-2013)




Imagem:  Jardim Botânico - Lisboa
Fotografia do blogue Diário de Lisboa - The Lisbon Diary  aqui