quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Anjos...


Da minha infância, não me recordo de alguma vez me questionar sobre os valores materiais, espirituais ou de outros valores que fazem parte da formação de uma criança e por conseguinte do ser humano.

Não me recordo de, questionar Deus.
Não me recordo de, questionar Morte.
Tudo se me apresentava natural e único no meu universo de menina. E o tudo era de toda a gente.
Acreditava em fadas e em bruxas e até pensava que iria ser criança a vida toda.
Da morte não me falavam.
As pessoas morriam, eu sabia! Mas, a morte era coisa que só acontecia aos velhos.
E velhos eram aquelas pessoas enrugadas e de cabelo branco, curvadas na sua bengala também velha e de madeira antiga.
Acreditava tanto nisso, que, até mesmo a morte do meu irmão bebé não se me ocorreu como uma morte. A morte não era para seres pequeninos com poucos meses de vida.
Deus levo-o simplesmente, como um anjo, e eu até acreditava em anjos e num céu povoado por seres transparentes com asas como as nuvens.
Foi um dia estranho. O dia, foi de visitas muitas visitas como se fosse uma festa em que os sorrisos tinham sido roubados das bocas das pessoas. Havia um fotógrafo, mas o único que sorria para mim era o meu irmão bebé que permanecia imóvel numa espécie de altar feito em cima de uma mesa na sala dos meus avós.
Embora estranho, tudo foi aceite.
E depois, esqueci...
Não me recordo de se falar mais desta morte.

Um dia, ainda criança e quase adolescente fui encontrar os vivos e os mortos todos juntos num álbum enterrado no fundo de uma gaveta e, nesse mundo de mortos e de vivos que teimamos em guardar para se acaso um dia se nos varrerem da memória, lá estava ele, o meu irmão bebé a sorrir para mim.




Para a Fábrica de Letras  com  “TEMA LIVRE” este Mês de Setembro.


Imagem:daqui




Com carinho
MZ