segunda-feira, 19 de maio de 2014

São Contos





No embalo do comboio da linha, lia o rapaz à sua paixão que não se inibia de lhe dar beijinhos e mordidelas. O livro, muito velho, cobria-se de capa papel pardo com título escrito à mão em duas linhas - Fialho de Almeida – Contos. Quem o escreveu, prolongara o traço do T por toda esta última palavra como se quisesse abraçar todo o seu conteúdo. E ia lendo páginas em voz alta, este apaixonado romântico a fazer lembrar aqueles homens antigos. Voz bem colocada, belo cabelo de ondas largas, bem cortado e barba espessa, arruivada, uns pontinhos de sardas a salpicar a sua pele que era tão branca. Ela deixou os beijinhos para se aconchegar, poisando a cabeça no seu ombro de trovador de brinco na orelha e sorria feliz. Uns dentinhos brancos em rosto de chocolate, olhar doce a contrastar com o vinho na cor do lenço, muito mãe áfrica a segurar os cabelos de mil tranças. Rodeados de gente, viajavam sozinhos naquele comboio. E eu detestei um velho senhor que incomodado, resmungava porque tinha de escutar poemas.
- Não são poemas Senhor, são Contos de Fialho.


mz


imagem: fotografia do blogue, 
Diário de Lisboa -The Lisbon Diary