sexta-feira, 13 de abril de 2012

Fábula


Dona Coelha sabe que no mundo dos homens e de outros animais, não existe a perfeição dos seres que dele fazem parte. Não são apenas os homens que querem o impossível [não são apenas eles os gananciosos e cobiçadores do alheio]. Entre suspiros e coçadelas suaves no nariz, Dona Coelha sabe que no seu reino também existem animais insatisfeitos.
Lá nas terras do Marquês, seu amigo homem que a deixa à vontade para escarafunchar na sua toca, existe uma rodela de cenoura sagrada onde todos os mamíferos e ovíparos de vários continentes podem sentar-se e falar dos seus problemas.

Um dia, apareceu um bicho de outros solos. Um animal do deserto sedento de ser outras coisas que não lhe assentavam bem. Um esperto Suricata que, apesar de possuir bastantes capacidades, sempre se sentiu insatisfeito. Não lhe bastara construir um sistema de túneis bastante complicado, nem ser um dos maiores predadores do seu sistema social. O pé na terra não era o suficiente. Decidiu então, aprender a voar como os pássaros. Descobriu muito sobre aerodinâmica e, até rapou o pelo da cabeça para melhorar a sua performance de voo somando alguns resultados positivos.

Instruiu o filhote com a mesma técnica predadora e gananciosa de estar no reino. Ambos construíram um sistema ainda mais complicado e, para além dos túneis, e das presas, passaram a complicar também os caminhos dos céus.Estudavam métodos que iriam impor ordens a todos os animais que fossem dotados de asas. Quanto mais complicado fosse o sistema, mais poderosos e mais fortes se tornariam. Objetivo final; deixar a passarada descontrolada e, daí ao poder absoluto dos céus, era um passo.

Contudo, depois de uma viagem a Angola, uma forte depressão apoderou-se do bravo e astuto Suricata. Esqueceu os céus e, a terra vermelha passou a ser o seu chão sagrado palmilhando-a cego de paixão atrás de uma espécie altiva e exótica morena. Cansado e desprezado, abeirou-se de um charco que sem querer lhe devolveu a sua figurinha esborratada de água e lama. Deu um salto de susto e revoltou-se com a sua pequenez. Caiu em si quando se apercebeu finalmente que era um bicho pequeno e que nunca conseguiria crescer o suficiente para satisfazer o cio tamanho que lhe causara aquela gigante nativa mascarada. Não havia solução. Definhou.

Assim, às terras verdejantes e férteis do Marquês, chegou esta história vivida e contada por uma réstia daquele ser expedito que procura agora errante, a cura para o seu mal. E nesta toca, rogou por placidez e complacência. Dona Coelha pediu silêncio e, à volta da rodela de cenoura sagrada, falou o Suricata da sua desarmonia e do seu amor impossível. A incontrolável e louca paixão que deixou naquela planície árida - a sua Palanca Negra de Angola.




Imagem: Tela PAULA REGO


Original, escrito e publicado...
Mz