quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

Dignidade...



Sabiam que para eles não iria haver domingo possível para jurarem amor eterno no altar da “sua” Igreja.
Nunca iria haver domingo com chuva de rosas desfolhadas...

Ela iria herdar em breve, pela morte de sua mãe valiosos terrenos, alqueires de milho, pipas de vinho e arrozais. Ele, para além da sua inteligência e perspicácia para o negócio não possuía mais nada.

Era uma época de mentalidades quadradas e de imposições familiares sem contestações.
Os lavradores, olhavam a terra como ouro e viam no amor  um sentimento demasiado luxuoso para partilhar com um Zé-ninguém. Quando assim se pensava, as aldeias possuíam não só casebres de terra batida, caminhos de pó e lama, mãos calejadas, pés descalços e fome. Quando assim se pensava, praticava-se também de certa forma alguma pobreza de valores e, a palavra preconceito, não existia num vocabulário onde o analfabetismo começava aos poucos a incomodar quem queria mais da vida.
Maria Rosa sabia que o pai nunca a deixaria levar avante esse casamento de desigualdades. Mas o que seria do mundo sem o amor, sem a coragem e sem os desafios?
De saia plissada e blusa branca de cambraia, cabelo entrelaçado numa generosa trança, rosto limpo e os olhos mais brilhantes  que alguma vez possuíra, desceu ao largo da aldeia ansiosa e decidida. Não teriam um domingo mas, uma madrugada de sábado com a cumplicidade do padre-cura e do sacristão. Assim, enquanto toda a aldeia acordava, os sinos tocavam em sintonia. E, naquela manhã de Setembro tornaram-se marido e mulher aos olhos de Deus conforme mandava a lei da Santa Madre Igreja. Casaram em segredo e, ninguém jamais, poderia separar o que Deus uniu.

Subiram a ladeira da aldeia de braço dado. Ela, sem vestido de noiva ou flores de laranjeira. Ele, com a sua dignidade. Juntos pela primeira vez, tomaram o café aguado feito nas brasas do fogareiro de ferro e trocaram dentadinhas de pão de centeio aquecido no braseiro da fogueira matinal. Almoçaram sardinha assada e ainda hoje, passados cinquenta anos, recordam o dia mais maravilhoso que tiveram antes de nascer o primeiro filho.



Para a Fábrica de Letras
Tema: "Preconceito"



Fotografia: jfifas



Com carinho
Mz