quinta-feira, 31 de dezembro de 2020

Último dia do ano.

 


Na mesa, uma toalha de recortes com todas as fotografias que nos cabem no coração. Desfiamos um rosário de máscaras, benzemo-nos em antissético e, rogamos calor de abraços e de beijos inocentes.  Suplicamos pela vida, imploramos os laços de sangue. Ano de cruz. Lá fora, a última lua cheia da década, o último dia do ano e, os amigos que não entram em casa. Prisioneiros e famintos, somos como lobos em matilha num dia frio de profundo inverno. Acendemos as velas, olhamos fixos a chama como se fosse verão e, acreditamos que não estamos sós.


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sábado, 26 de dezembro de 2020

Árvores que são Estrelas.

 




Sussurraram sons de floresta. O Carvalho deu a ordem. Então, o Pilriteiro abanicando as bagas vermelhas, levantou as raízes e apontou o caminho estreito. Toda a floresta se movia. O tojo de flores amarelas, roçava-me o vestido em jeito de pressa:
- Vamos todos ver as Liquidâmbar! 

A aves pequeninas, esticando os seus bicos, mais curvos ou mais direitos, eram os sinaleiros do caminho. Sentiu-se o cheiro a resina e elas lá estavam; perfeitas. Como um presente da natureza, transportaram-me para as estrelas. Todos os habitantes do Livro das Folhas Verdes baloiçavam em jeito de adeus.

Acordei e já era Natal.


VIII - Fim do conto: Livro das Folhas Verdes

Original, escrito e publicado.

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quarta-feira, 23 de dezembro de 2020

A Máquina Fotográfica.


Contei-lhes da tecnologia. Dessa arte do homem capaz de guardar as imagens e, que todos, estavam guardados naquela caixinha; a máquina fotográfica. Uma poça de água, projetou todas as fotografias que disparei na floresta. O vento em torvelinho, soprou-me de curiosidade e, ficou a meu lado. Acalmou. Depois, rodearam-me os pássaros. De pregas vincadas nas asas, num plissado em harmonia com o esvoaçar dos seus corpos de ossos ocos e leves, soltaram-me a capa, retiraram-me o chapéu das abas encaracoladas. Poisaram tudo no Castanheiro que já tinha os ramos abertos e curvos da idade. 


VII - Livro das Folhas Verdes

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quarta-feira, 16 de dezembro de 2020

Reunião na Floresta.

 









Numa só rajada, o vento convocou toda a floresta. E no livro das folhas verdes, foi impressionante como saíram do chão os invisíveis.  Do misterioso Reino Funji, chegaram em grupos, ou solitários. Chegaram famílias e solteiros. Os vaidosos, os iluminados e, os mais atrasados ainda, com restos de terra na cabeça. O vento sabia do meu segredo. Eu escondia algo que era proibido, a tecnologia escondida por baixo da minha capa preta. O vento sabia.


VI - Livro das Folhas Verdes

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domingo, 13 de dezembro de 2020

O Vento.

 


O vento vigia. É um espião. Vê alto e vê rasteiro, solta o bafo na frincha mais secreta. Espalha o pó do chão e, faz andar as nuvens. Ele é o comandante do ar, dos pássaros e das coisas soltas. É mais silencioso e mais rápido que todas as aves.  Quando assobia, é ordem de recolher aos abrigos, às tocas, às casinhas. É hora fechar as asas e, taparmo-nos com as capas.


V - Livro das Folhas Verdes

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quinta-feira, 10 de dezembro de 2020

Dentro da Floresta.

 





Decidi adaptar o meu chapéu de forma a poder ver melhor as coisas; cortei em tiras e encaracolei um pouco as exageradas abas largas. As árvores, deram-me uma alcunha e batizaram-me de imediato. O Castanheiro e o Carvalho, abanaram as folhas com assentimento e, deram ordem ao Pilriteiro para me corar as bochechas. Fiquei a ser conhecida como a Farfalhuda dos Caracóis. Na alegria e no discernimento, fui apresentada a muitas espécies. O vento assobiou desconfiado… 

No livro das folhas verdes, é o silêncio que nos resgata o verdadeiro entendimento da mensagem da floresta. Aprendemos a gostar do áspero Tojo amarelo, das folhas mortas e, das lamas quando chove. A desengraçada manta suja e bafienta, regenera-se quando chega a hora e, passamos a pisar flores.

IV - Livro das Folhas Verdes

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terça-feira, 1 de dezembro de 2020

Lua Cheia de novembro.

 

 
 

Por um raminho de árvore, espreitei o céu porque me disseram que iríamos ver a lua. Estorvavam-me as abas do chapéu. Eram largas e dificultavam-me a clara visão das coisas. Demorei a focar a lua, e quando estava pronta, o chapéu que era do tamanho dos meus sonhos, segredou-me: 

Existe sempre um entrave ao nosso querer; em noite de Lua Cheia, podes ter o estorvo das nuvens. 

III - Livro das Folhas Verdes

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sexta-feira, 27 de novembro de 2020

Reino Fungi




No livro das folhas verdes, é obrigatório usar chapéu. 
Neste lugar nada se compra, tudo nos é oferecido, por isso se entrares neste reino, tens bengaleiros com as mais variadas espécies de resguardo para os pensamentos. 
A escolha é feita em sintonia com a tua emoção e, com o tamanho dos teus sonhos. 

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II  - Livro das Folhas Verdes

quarta-feira, 18 de novembro de 2020

Floresta.

 


O sítio onde habito, é um livro de folhas verdes. No carreiro estreito, no tapete da entrada, no ressoar da floresta. Tenho um livro que é uma árvore e, vivo com pássaros que me prendem o vestido.


I - Livro das Folhas Verdes

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quarta-feira, 2 de setembro de 2020

Uma luz na minha vida.






Os negros são portas, onde, das sombras, nascem estrelas que entrelaçam a minha alma. 
Fotografar é uma luz na minha vida.



quarta-feira, 26 de agosto de 2020

Pose no coração.



Foi um desassossegado tempo parado em dias de confinamento. Nunca pensei fotografar pássaros num estúdio inventado - das coisas velhas, das tias - um chapeleiro que se virou ao contrário e transformou-se em bebedouro de pássaros. No frenesim, ou na lentidão das voltas das avezinhas que sobrevoavam o laranjal, um descanso de asas e o bebericar no meu chapeleiro louco. Depois, veio o desconfinamento, as lojas a abrirem e comprei um coração para dar uma graça ao meu estúdio inventado. Hoje, com o coração a desmaiar de cor, partilho estes passarinhos juvenis, crias dos que por cá passaram.


(Chapim-azul (Cyanistes caeruleus),


quinta-feira, 20 de agosto de 2020

Ausências e afectos.



São tantas as ausências, que disparo da menina do olho desejos maiores do que na realidade quero. A privação inflamou uma vontade de abocanhar as minhas pessoas; apertá-las, esmagá-las como fruta de casca mole ou dura - são boas, doces, amorosas. São quem eu amo, mas de carapaça dura pelo medo. Numa fracção de segundos, transformo-me num bicho histérico sedento de tudo. Para meu bem, nem todos saberão fazer a leitura dos olhos. Deixo esse impulso de bicho, de tempos que já foram. Retorno aos olhos mansos e, a minha menina do olho inventa os beijos que ficam de baixo das máscaras. Os abraços, são caminhos de palavras.

quinta-feira, 18 de junho de 2020

Junho e Santo António.



Falámos de ti nas escadinhas do largo. Estavas como sempre com as flores aos pés, realçavam as alcachofras; grandes capítulos florais, fofos e lilases - que as moças da mordomia querem dar-te esses mimos. Tu, pequenino e tosco como te viram as mãos que te esculpiram, carregas o peso do calcário e das preces que te fazem. Lascado e quebrado de velhice, genuíno. Queremos-te assim, só importa a fé em ti para apaziguar os nossos medos; encontrar paz nesta espiritualidade. Estávamos então contigo, lá no largo num chão de erva-doce esmagado pelos passos que dávamos, distanciados e de máscaras no rosto. Não viste nos nossos lábios o sorriso triste que guardávamos, e nós não trouxemos para casa os perfumes de procissão.

quinta-feira, 11 de junho de 2020

Cerejas e cadilhos de vida.



As cerejas deste ano comem-se em toalha de luto, eu sinto-lhe um vermelho negro na sua doce acidez. As cerejas deste ano, são arrecadas pesadas, pingentes retorcidos, rendilhados antigos com meneio de fado. Comem-se. Comem-se cerejas de boca cerrada enquanto se murmuram cadilhos de vida.


domingo, 10 de maio de 2020

Preciosidades.



As primeiras rosas do quintal e os romances de sempre, trazem memórias das tias. Agora velhinhas e confinadas nas suas casas, dizem que têm olhos de lágrimas sempre que olham nas paredes, os retratos de família. A saudade. A saudade e o medo de voltar a sair e de não conseguirem caminhar direito pelas ruas com os seus sapatos de saltinho.

terça-feira, 28 de abril de 2020

11 Anos de Blogue.

Quem chegar hoje aqui, tem de festejar. 
Fiz um piquenique. 

Sentem-se, fiquem de pé, saltem, façam modinhas de roda - sem toque, e comam com os olhos. 

Sim, com os olhos, porque as minhas mãos tocaram em tudo o que estão a ver. 
Pestanejem, e deixem criar água na boca. 
Imaginem o bolo no palato, sorvam um pouco de chá quente, alegrem-se com as perpétuas roxas, 
e procurem memórias de naperons. 

Linhas e laçadas.
 Paciência. Muita paciência. 

Obrigada a todos os que passam por aqui. Aos primeiros, aos mais antigos, aos esporádicos, aos mais recentes, aos  que me inspiram, aos que me referenciam.
A todos. Muito obrigada. Eu, Afetos e Dúvidas continuarei por cá.

sexta-feira, 24 de abril de 2020

Semear Alegria




Aqui, neste meio virtual, semeio esta alegria de cor com a esperança de deixar uma luz ao vosso olhar. É uma bênção poder fotografar uma seara de Pampilhos ainda em tempo de isolamento social. Deixo-vos este estado de graça de se viver na aldeia, como quem folheia as páginas de um livro maior de seu nome Natureza.


quarta-feira, 15 de abril de 2020

Abril em casa e o confinamento.



No silêncio deste confinamento generalizado, ainda sentimos que o melhor lugar é a nossa casa. O desafio de fotografar e passar uma mensagem de harmonia do que vem de fora, e a capacidade de a transformar dentro das nossas paredes, é um desafio. Deixo-vos uma espécie de cabaz fotográfico muito caseiro dos meus dias, num sítio em que o alimento puro passa pelas palavras, pelo emocional e espiritual, onde o aconchego acontece e também se come de tudo um pouco. 


sábado, 21 de março de 2020

Birdwatching (9) e a paciência do confinamento.


A observação de aves tem um lado solitário em que nos conectamos com a natureza e ficamos quietos. Depois do avistamento de uma espécie, os nossos passos são lentos, os movimentos suaves. Camuflamo-nos e esperamos. Pratica-se a paciência. Ficamos confinados. Queremos a melhor captura fotográfica. 

Estabeleço aqui um certo paralelismo com o que a humanidade hoje é confrontada. Forçados a praticar essa paciência, o confinamento para a sobrevivência a esta guerra até vencer o inimigo invisível, a quem já todos chamam, o Cisne Negro. Coronavírus COVID-19.

Pato-Real (Anas platyrhynchos) fêmea