quinta-feira, 24 de abril de 2014

Sonho mau em Abril





Talvez porque a Páscoa foi há um par de dias, acordava o cordeiro rodeado de uma quantidade exacerbada de flores. Pensou que o tinham trazido para uma festa. Mas nada disso justificava o corpo quase inerte, os olhos mortiços e o coração a bater forte. Numa inexplicável ansiedade, estrebuchou. Os movimentos amarrados deram-lhe conta que todo aquele engalanar era um embuste. Os olhos tornaram-se vivos e sentiu que representava o sacrifício. Suspensos como sombras, movimentavam-se os machados que cortavam as conquistas e os cravos e quase, quase o aço a roçar-lhe a pele. 


mz




Imagem: tela de Josefa de Óbidos
Pintora Portuguesa aqui

sexta-feira, 18 de abril de 2014

5 Anos





Estamos de parabéns e fazemos cinco anos. Por isso, é no intervalo do aroma a alecrim e da sachola deixada num canto do jardim que vos escrevo e partilho este aniversário muito orgulhosa do meu blogue. Por aqui cheira a férias e a festa. Tudo isto é aldeia e é pagão. Somos felizes. É a massa a levedar, são os rostos corados do brasume das vides que ardem no forno. É a química da transformação da massa crua em esplendorosos e enfolados folares de Páscoa. É também a vontade de lavar, de sacudir, de arejar. As cortinas brancas e os vidros mais transparentes que nunca, o cheiro a lavado e a boa canseira da limpeza. A satisfação de sentir que também as tarefas mais simples nos podem renovar a alma numa espécie de ressurreição do que parece ser tão banal.


Obrigada a todos os que passam por aqui. Aos primeiros, aos mais antigos, aos esporádicos, aos últimos, aos que me inspiram, aos que me referenciam. A todos. Obrigada. Eu, Afectos e Dúvidas, por cá continuarei.


mz




imagem: Kelly Rae Roberts
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terça-feira, 8 de abril de 2014

Um postal para Sofia




Para Sofia de ontem para hoje, o estatuto de menina criança passa a ser oficialmente o estatuto de adolescente. Na sua ingenuidade e espontaneidade, será um dia vincado pela alegria do crescimento. Escrevi-lhe um postal de aniversário e enviei-o pelo correio como se fazia antigamente. Na verdade, escrevi um testamento em letra muito miudinha, para que tudo o que tinha em mente pudesse lá caber. E falei-lhe da maravilhosa ilusão dos aniversários que nos fazem parecer mais crescidas quando somos crianças e mais velhas quando já somos adultas. Para ela, é a fantasia da metamorfose. Uma doce ansiedade de crescer ainda que no dia seguinte continue a ter o mesmo peso, a mesma altura, o mesmo número de sapato, o mesmo comprimento de cabelo e toda a roupa mais recente continuar a assentar-lhe que nem uma luva. No meio da fantasia e da ilusão de um único dia, é obrigatório festejar. Festejar sempre. Festejar em grande e continuar este sonho ilusório de se sentir crescida quando ainda continua a ser criança. Só quero que ela entenda que crescer é a soma de todos os dias, a soma de todas as dificuldades, a soma de todas as conquistas. Assim crescem os novos e também os mais velhos todos os dias.


mz


imagem: Kelly Rae Roberts
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