sábado, 11 de maio de 2013

Primavera.


 
Não me esqueci da Primavera e deveria ter-te falado disto em Abril.
Dispersa-se e perdendo-se na conversa, a avó vai explicando que veste três polares quechua mais uma camisola interior, uns collants e as calças compridas.  Por cima das pernas, aconchega ainda uma manta, e assim vai passando os dias enfaixada de roupa para continuar fria. Um dia, ainda morre de sangue parado. Tem saudade da Primavera bem vincada e definida. Amena. Sem granizo e sem vento gélido. Perguntou à neta se alguma vez teve a oportunidade de cheirar um cravo verdadeiro. Daqueles que crescem a céu aberto, os que deixam passear as lesmas que o vão mordiscando devagar e recortando ainda mais as suas pontas rendilhadas. Não gosta dos cravos de estufa. Fazem-lhe lembrar tudo o que é falso. Se pelo menos tivesse um quintalzinho e uma sachola, podia tirar a manta das pernas. Mexer-se. Plantar uns cravos na terra, e fazer circular o sangue com mais naturalidade. E volta-lhe a saudade do perfume desses verdadeiros cravos que giram à voltam do sol e que resistem às bátegas dos aguaceiros surpreendentemente perversos. Costumava espetar-lhes uma estaca, uma espécie de muleta de pau para que se mantivessem de caule direito. Contudo, insistiam sempre em crescer tortos e livres.
 
 
Mz

Original escrito para
Desafio: Fabrica de Letras
Tema: Primavera


Imagem: tela/Galeria de pintura José Malhoa