Não me esqueci da Primavera e deveria ter-te falado disto em
Abril.
Dispersa-se e perdendo-se na conversa, a avó vai explicando
que veste três polares quechua mais uma camisola interior, uns collants e as
calças compridas. Por cima das pernas, aconchega ainda uma manta, e assim vai
passando os dias enfaixada de roupa para continuar fria. Um dia, ainda morre de
sangue parado. Tem saudade da Primavera bem vincada e definida. Amena. Sem
granizo e sem vento gélido. Perguntou à neta se alguma vez teve a oportunidade
de cheirar um cravo verdadeiro. Daqueles que crescem a céu aberto, os que deixam
passear as lesmas que o vão mordiscando devagar e recortando ainda mais as suas
pontas rendilhadas. Não gosta dos cravos de estufa. Fazem-lhe lembrar tudo o
que é falso. Se pelo menos tivesse um quintalzinho e uma sachola, podia tirar a
manta das pernas. Mexer-se. Plantar uns cravos na terra, e fazer circular o
sangue com mais naturalidade. E volta-lhe a saudade do perfume desses
verdadeiros cravos que giram à voltam do sol e que resistem às bátegas dos
aguaceiros surpreendentemente perversos. Costumava espetar-lhes uma estaca, uma
espécie de muleta de pau para que se mantivessem de caule direito. Contudo, insistiam
sempre em crescer tortos e livres.
Imagem: tela/Galeria de pintura José Malhoa