segunda-feira, 29 de outubro de 2012

Pombinhas com humor.


A mulher envelheceu e a par dela, a sua pombinha fez-lhe companhia. Incomodava-a a textura do cabelo mais rebelde e áspero de alguns fios que cresciam brancos. Aliviou o problema com cremes hidratantes e bisnagas de tinta colorida, entregando-se nas mãos de profissionais. Tomou consciência de que, quando se envelhece bem, aprecia-se ainda mais os cuidados de outras mãos pelo corpo. Sente-se tudo sem urgência, e cada toque, passa como um rio de serenidade na carne e no espírito. Não há pressa. A mulher passou a dizer também, que os espelhos são para usar e abusar. Os espelhos também servem de consciência à felicidade de se estar vivo. Olhou para a sua pombinha e disse-lhe:
- Anima-te, também te vamos dar cor!
Assim se perdeu uma pomba branca.
Uma história de senhoras que vivem os últimos dias das suas vidas com algum humor, quando contam que no seu tempo, todas as crianças, jovens e velhas tinham pombinhas. Dizem com muito carinho que, continua a ser um bonito nome para se dar aos órgãos genitais femininos. Não o deixem morrer!
Mz
Imagem: Joan Miró

terça-feira, 23 de outubro de 2012

Desafio



Da minha janela observo a rua que todos os dias desço para me juntar com o resto das pessoas. Sociedade? Sim; trabalhadores, estudantes, crianças e toda uma panóplia de gente misturada com alguns animais de estimação. Amigos também. Hoje não saí de casa, porquê? Chove a cântaros e decidi ficar apenas por aqui, à minha janela. A minha janela é a minha janela; são os olhos dos meus olhos e ninguém consegue ver o que vejo e como vejo a minha rua. Será? Tem lojas com canteiros de flores tímidas, um pouco desfolhadas, encolhidas de acordo com a estação, daqui, quase dá para sentir o cheiro da bica acabada de sair, sentir os aromas do pão quente da padaria preferida. Deste lugar, fica o vosso parecer sobre o que os meus olhos vêm e oferecem todos os dias num jeito desafiador de ser diferente e criativa no que vejo e escrevo.
Mz
Um desafio feito na hora e escrito à pressa - nem um ponto a mais, nem a menos[7 Pontos finais, 3 Pontos de interrogação, 2 Pontos e vírgula, 10 Vírgulas]
imagem: Tela Amedeo Modiglian
Pesquisa google 

terça-feira, 16 de outubro de 2012

Durante o sono.


O tempo parou com um tiro seco de rolha. Um estalo de línguas saboreando qualquer coisa boa. Um copo de espumante gelado. Presumo. Seria bom se todas as refrescantes bolhas de ar não se convertessem em espinhos na minha goela. O sono não devia ter pesadelos. Mas, salta-se de um para outro. O sono não me dá tréguas. A pele transpirada e o coração a bater fora do normal, lembro-me vagamente de minha mãe que tem angina de peito e ainda não sabe. Não posso esquecer-me de lhe dizer.
Ninguém me acorda e eu, com o coração nas mãos e bolhas de suor por todo o corpo. Preciso que me expliquem os carros amolgados e ferrugentos amontoados na praça. As lojas fechadas, as portas trancadas e as janelas sem sombras de gente. Não entendo para onde foram todas as pessoas. Eu estou ali apenas comigo e mais ninguém.


Mz



imagem: Tela Georges Braque
Large Nude 1908 AQUI

segunda-feira, 8 de outubro de 2012

Por um fio.


Não me dou com a monotonia dos dias nem com a monotonia do pensamento. Por isso, louvo a natureza em mudança permanente e o levantar de vozes manifestando o que querem e o que não querem para este país. Ainda que lutem pacificamente e sem resultados, erguem palavras em cartazes e marcham seguros. Sem querer, abafam o estalar das folhas secas esmagando a beleza deste outono porque de momento, estão cegas de indignação. E as folhas por um fio, aquelas que restam penduradas, querem desprender-se e gritar.
- Acordai! Voltaremos na próxima Primavera.


Mz


O Cair da Folhas
Imagem: David Lorenz Winston