Um "sem abrigo" em condomínio fechado...
Vive um onde moro. Alguém o adoptou e reeducou a voltar a viver entre quatro paredes.Alto, magro, pele macilenta. A barba é feita só uma vez por semana e, o seu rosto está quase sempre coberto pela sua farta cabeleira de caraçóis negros que ondulam conforme o vento ou com os seus movimentos bruscos. As suas roupas são limpas, embora se note que não foram compradas para ele. Quase todas as calças deixam mostrar as suas meias e em gíria popular, parecem estar zangadas com os sapatos.
Não é jovem, mas também não é velho. É dificil definir a sua idade.Parece sofrer de alguma doença mental...Tem ar de louco.
O nosso jardim, recebe-o sem descriminação. Mas quem o frequenta torce o nariz. Eu também. Não sou hipócrita.
Tem um relacionamento com um dos bancos do jardim e senta-se sempre no mesmo.Por vezes, escolhe ficar debaixo dele. Louco!
Outras vezes, deita-se à sombra de uma árvore, mas sempre bem pertinho do "seu" banco.
Nunca falei com ele.Não sei o que lhe vai na alma.Só sei o que vejo!
E, naquele banco de jardim...Ele cruza e descruza as pernas.Esperneia.Barafusta.Os seus braços, gesticulam sem nexo.A sua cabeça não pára, e em movimentos rápidos olha para um lado e para o outro, como se existisse algo a persegui-lo.Todo o seu corpo balança em movimentos descoordenados.Por vezes, esfrega a cara, leva a mão ao bolso e tira um cigarro.Fuma-o gulosamente dando a entender que talvez seja o último da sua vida.
Tal como o jardim, também este banco o aceita como ele é.Com toda a sua demência e sem descriminação. Mas o banco não é gente!
Impaciente, abandona o banco e o jardim.Desenfreadamente, abre o portão e mete-se à estrada. Liberta-se dos muros dourados.A primeira coisa a fazer é procurar contentores do lixo.Abre um... vasculha... Abre outro... vasculha...Não leva nada!
Desce a rua sempre da mesma forma e com o mesmo ritual.Procurando sempre novos contentores do lixo, como se dependesse desta tarefa para sobreviver. Quantos contentores do lixo ele abre, não sei Devem ser muitos.Assim desaparece.
Ao fim do dia, volta de novo para a sua gaiola dourada.Volta para quem lhe dá abrigo e o cuida.Volta para alguém de muita coragem. Eu não conheço.
Um dia, ao anoitecer, vi-o colher uma rosa de um dos canteiros.Vi que na sua loucura, existe sensibilidade.A rosa que ele surrapiou ia fazer alguém feliz.Ele próprio estava feliz!Talvez fosse um pedido de desculpas por chegar tarde a casa.Talvez fosse um agradecimento.Talvez fosse só um gesto de carinho para com aquela pessoa que o cuida sem preconceitos!
...
com carinho
MZ
Amiga
ResponderEliminar"Sem Abrigo" uns serão por necessidade outros por vício e pela liberdade que dá viver na rua,num jardim, num vão de escadas, não ter responsabilidades, horários, compromissos, sem afectos, afastados da sociedade.Quanta impotência, quanta tristeza.
È esta a nossa sociedade, injusta, intolerante, impiedosa. Infelizmente há muitos "sem abrigos" por aí.
Que Deus olhe também para aquelqs criaturas que também são Seus filhos.
Um grande abraço.
Rosinha
Ou talvez se oferecesse a ele próprio, aquela flor sinónimo de perdão. Ou quiçá ao banco. Efémere companhia que no devaneio da sua existência se materializa como o seu confidente.
ResponderEliminarAdorei este post e sobretudo a sensibilidade com que conseguiste ver o que hoje infelizmente ninguém mais quer ver...o quanto o homem , mesmo perdido na vida consegue "viver".
beijo doce
que bom sentir o carinho e a ternura que estas palavras transmitem...
ResponderEliminarMuito bonito, continue a escrever.
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