terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

Os Cães




Não fosse o chão de terra batida e ainda molhada do exagero chuvoso dos dias, diria que estavam confortáveis. São cães velhos que se encostam aos muros dos caminhos sem passeios de estradas. Aparentam a juventude ou a velhice dos donos, e aconchegando-se ao sol, parecem imitar-lhes os hábitos. Lembra-me que todos queremos calor quando os dias são frios e nessa demanda vão os homens e os animais à procura do melhor lugar e do que lhes faz bem ao corpo e à alma. Um dia, era noite e escrevi um poema ao meu cão. Já o fiz a pessoas e à morte, ao vento e a outras coisas voláteis e invisíveis. Pode ser extravagante escrever um poema a um cão quando já tão poucos o fazem aos seus amores. Senti-me bem. Foi como se o sol me sorrisse e me aquecesse. Nada me pode comprometer com o ridículo porque o meu cão não é apenas um ser sem alma como dizem dos animais; oferta-me um dom que me congraça com a vida.

Poema ao meu cão aqui

mz



imagem: tela homas Eakings (1884-1916) 

domingo, 9 de fevereiro de 2014

Em dias de tempestade




Em dias de tempestade,
Sacudimos furiosamente o guarda-chuva.
Barafustamos com a lama nas botas.
Aborrecemo-nos de tanto cinzento.

 Os músculos contraem-se.
Os casacos grossos encolhem-nos,
 Ficamos mais pequeninos.
Atarracados.
Como se carregássemos o abrigo do mundo,
Os molhos de lenha cansam-nos os braços.

As coisas húmidas provocam-nos náuseas,
Bolores.
Bichos-de-conta.
Musgos na calçada da cidade.
Somos esquisitos.
Niquentos.

 Dizemos mal do vento
Quando os cabelos se soltam.
Libertos.
 Em dias de tempestade,
 a natureza torna-se gigante.
Não podemos ir ao mar,
Mas vamos.


mz


Imagem: fotografia, do blogue Diário de Lisboa -  The Lisbon Diary
Jardim de Campolide


domingo, 2 de fevereiro de 2014

Máquina de Costura





Nunca gostei de dormir sestas e sabes que vou sempre contrariada. A canseira da brincadeira acaba por vencer. Depois, acordo devagarinho como tu dizes que se devem acordar as crianças. E acordo sem birra. É Verão. O tac-tac corrido ecoa longe e mistura-se ao compasso do meu coração.
- Acordaste-me avó!
Esqueço os chinelos. Corro afogueada arejando os caracóis e fazendo lágrimas de aragem nos meus olhos. Dou-te um beijo a correr e fico ali defronte a ti. Quieta. Quase sempre poisada num só pé e debruçada sobre uma das esquinas da mesa da máquina de costura. Fascina-me o mecanismo da roda e do pedal que gira como se fosse a minha bicicleta de rodinhas. Estou em crer que quero ser engenheira como o pai para ver como acontecem as estradas de pontos na roupa que sabes fazer.

mz


 imagem e texto inspirado neste Blogue