terça-feira, 22 de novembro de 2011

Corta...


Lá dentro, não existe lareira de lume a sério, apenas uma máquina escondida que lança a temperatura certa. Entro e saio da sala com a conversa. A noite, sem lua clara é breu e o frio dá-me chicotadas nas pernas que mostro por vaidade, tanto cachecol e golas altas que me abafam o pescoço mas as pernas geladas! Cá fora, aquecem-me pessoas boas, amigas... amigas. Conversa-se sobre este estado de compromisso geral, as justificações deste estado social. Discutimos a desdita que nos andou a bater à porta com pancadinhas suaves. Tenta-se encontrar quem empurrou o carrinho da desgraça e nos levou encosta a baixo sem travões. Acidentes de percurso democrático. Não aceitamos que nos cortem sonhos e agora os tecnocratas frios aparecem e vêem apenas coisas, parecem esquecer-se das pessoas. Eles escolhem palavras colossais para definir e justificar esforço. Degolam, cortam e cortam, actuam ferozes agressivos com ar sereno. A voz é lenta, monocórdica, enfadonha que até apetece esganá-los, abaná-los e chamar-lhes nomes feios. Não adianta... o frio continua a chicotear-me as pernas.Voltamos para dentro rindo-nos e expressando ideias de como serão eles com uma mulher... lentos e monocórdicos, ou tecnicamente correctos? Bahhhhhhh Corta!




Imagem: Galeria de obras de  Ernest Ludwig Kirchner
Com carinho
Mz

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

Linhas Esborratadas...



A realidade do envelhecimento dos tecidos de que somos feitos assusta-nos...

Agora, tudo o que se me apresenta pequenino desfoca irritantemente. As letras... eu falo de letras propriamente ditas! As mais minúsculas. E insisto. As miudezas passam agora a ser comprometedoras e denunciadoras de uma incapacidade visual que me apanhou como uma rajada de vento. Não me choram os olhos, mas irrita... a sério! É oficial. Declaro que passei definitivamente ao grupo de charme do acessório mete e tira e tira e mete sempre que as letras se me apresentem como uma linha esborratada. Óculos para a ocasião. Não sei porque insistem tanto em o declarar como sendo o objecto mais intelectual que inventaram para o ser humano. Vaidades e ilusões que suavizam frustrações e incapacidades físicas de homens e mulheres. Não deixa de ser irónico e ridículo o medo de envelhecer saudável e naturalmente. Aceito. Aceito as duas. A insuficiência da visão e os contornos linguísticos que suavizam o aspecto exterior e até caem bem numa mulher madura e vaidosa. Aceito, mas existe o medo... Então, se eu fechar os olhos e fingir que sou cega, talvez me liberte deste medo de já não ver como antes.



Imagem: Galeria de Obras de: Robert De Niro Sr.

Com carinho
Mz

terça-feira, 8 de novembro de 2011

A Simplicidade de um Sonho...



Um dia sonhei ser maquinista de comboios.
Passava os dias a brincar com bocadinhos pequeninos de madeira maciça de formas toscas que encontrava pelo alpendre. Depois, quando já tinha a minha pista de comboios a sério, partilhei-a com os adultos e outros meninos meus amigos. Descobri que o prazer de partilhar era tão grande quanto o simples prazer de brincar. É uma pena que se tenha de crescer... e um dia, guardei a pista de comboios no sótão. Cresci e aprendi que os sonhos dão muito trabalho. Nunca cheguei a ser maquinista de comboios...

Hoje, cruzo os céus com alegria e responsabilidade. A partilha, essa, continua a ser um bem maior no meu dia a dia mas quando um menino me diz que quer visitar o cockpit do meu avião, são segundos de magia em que eu quase volto a ser a criança que queria ser maquinista de comboios.




Imagem: Desenhos para colorir
(Pesquisa google)

Tema: "Sonhos"


Com carinho
Mz

terça-feira, 1 de novembro de 2011

Muros Brancos...


Tecida de grãos que cobrem os falecidos, é a manta cor de terra, se ainda houver cadáver.Não há sol. Não há chama tremeluzente que aqueça os corpos, nem as almas neste sempre místico dia dos mortos.

Como se estivessem encostadas aos muros brancos, colam-se as sombras das mulheres vestidas de escuro. Mulheres doídas. Mulheres de coração negro como as sombras da parede branca. São rectas paralelas  as sombras e os corpos vivos e os que já se foram, porque jamais se encontrarão. O infinito passa-lhes ao lado de invernosos pensamentos. O tempo mistura-se em cada folha que se junta a um turbilhão de mil folhas caducas enrolando-se em espirais que se atropelam com imagens de quem já se foi. O vento e a chuva, se aparecem, aumentam ainda mais as perdas e, no rosto das mulheres vestidas de escuro, vincam-se mais e mais as rugas da tristeza. 

E volto às sombras do muro branco que também eclipsam a cor das flores que as mulheres levam aos seus homens frios. Volto a esse muro de paredes brancas e às mulheres que o olham, tornando-os em espelhos baços escondendo realidades de noites inquietas, solitárias e mal dormidas.






imagem: pesquisa Google
(estátuas em cemitérios)
 
 
Com carinho
Mz